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“A mente humana é constituída de tal forma que o erro e a mentira podem sempre ser expressos de maneira mais sucinta do que a sua refutação. Uma única palavra falsa requer muitas para ser desmentida.”Olavo de Carvalho

Vemos por aí muitos ateístas abordar a metafísica sem terem noções básicas de lógica e mesmo do significado das palavras. Por exemplo:

“Provar hipóteses acerca de deuses é um problema complicado, em grande parte, pela confusão entre vários significados de “prova”. Alguns entendem “prova” como uma dedução formal e, assim, conseguem provar a existência de (pelo menos) um deus. Por exemplo: só Deus pode causar o universo; o universo tem de ter causa; portanto, Deus tem de existir. O problema é que a dedução formal não diz nada acerca das premissas e depende totalmente delas.”

Angelus‘, de Jean-François Millet

Antes de mais, temos de saber o que significa “prova”. Depois de lermos o conteúdo da ligação anterior ficamos a saber que, no limite, a prova é subjetiva, em primeiro lugar, e depois é intersubjetiva, o que significa que nada pode ser provado sem a aquiescência de um grupo de pessoas que pode ser maior e por isso abrangente na sociedade, ou menor e por isso com pouca influência na sociedade.

Depois, temos que saber o que significa dedução. Se as premissas não tiverem um valor lógico de verdade, a conclusão nunca pode ser verdadeira e a dedução está errada. Por exemplo a seguinte dedução (silogismo) : «Todos os homens são mortais. José é homem. Logo, José é mortal.» Temos que partir do princípio segundo o qual a premissa maior (todos os homens são mortais) e a premissa menor (José é homem) são verdadeiras. Se decidirmos, por nossa alta recriação, que as duas premissas são falsas, o que acontece é que subjetivamente recusamos aceitar a validação da dedução (ou seja, os estúpidos também têm direito a existir).

Por outro lado, o ateu de serviço parece confundir, no seu texto, “dedução” com “indução” — mas vamos passar adiante, para já.

Ora, a premissa “o universo tem que ter uma causa” não pode ser senão verdadeira, porque de contrário o ateu estaria a negar a própria ciência que se baseia em nexos causais. Dizer que um efeito não tem causa é negar a ciência positivista.

Continua o ateu:

“Por isso, é fácil provar também o contrário partindo de outras premissas. Por exemplo: Deus está fora do universo; o universo é o conjunto de tudo o que existe; portanto, Deus não existe. Se bem que a lógica formal seja útil para avaliar algumas inferências, não chega para fundamentar conclusões. Para isso é também preciso ter atenção ao que se assume à partida.”

Aqui, o ateu parte de duas premissas: a primeira: “Deus está fora do universo”; a segunda: “o universo é tudo o que existe” (anfibolia).

Ora, acontece que estas duas premissas são falsas, e portanto a conclusão não pode ser verdadeira. Se o universo é matéria, e se o universo é tudo o que existe, então, tudo o que existe tem que ser matéria — o que não é verdade. Desde logo, os axiomas lógicos não são físicos, por exemplo; e a onda quântica pura não é matéria porque não tem massa. Portanto não podemos dizer que o universo, entendido exclusivamente como matéria (porque só a matéria tem massa), é tudo o que existe (“existir” no sentido de Ser).

Por outro lado, quando o ateu valida a premissa “Deus está fora do universo”, parte do princípio dual cartesiano (dualismo de Descartes). No entanto, o dualismo é apenas uma teoria, porque por exemplo Espinoza defendeu outra teoria diferente: Deus sive natura, ou seja, “Deus é o próprio universo”. Se dermos como verdadeira a teoria de Espinoza e falsa a teoria de Descartes, a premissa “Deus está fora do universo” não é verdadeira. Alternativamente, ambas as teorias podem ser ou falsas ou incompletas, por uma razão: “uma causa não se confunde com o seu efeito”, o que não significa que a causa não exista ou que seja independente ou alheada da existência do efeito. Se é verdade que “uma causa não se confunde com o seu efeito”, então somos obrigados a concluir que tanto Descartes como Espinoza estão errados ou incompletos.

Portanto, por dedução lógica primária: a causa do universo existe — ou seja: É — e não se confunde com o seu efeito que é o próprio universo. Podemos chamar a essa causa o que quisermos: “Deus”, “deuses”, “hsaddsd”. “Kdirndndn”, “IiyysbIII”, “XPTO”, etc.

Continua o ateu:

“Outra noção de prova é aquela que conhecemos dos tribunais, de indício forte da verdade de uma afirmação. É neste contexto que surgem as ideias de que não se pode provar a inexistência de algo e de que é quem defende que algo existe que tem o ónus da prova.”

Aqui está a confusão do ateu entre indução e dedução. Na indução, a verdade é apenas provável. Por outro lado, na prova em tribunal estamos a lidar com factos empíricos reconhecidos como tal e intersubjetivamente considerados como válidos. E de factos empíricos apenas resultam conclusões empíricas; se o Homem se ativesse apenas a factos empíricos nunca teria, por exemplo, viajado no espaço.

Quando o ateu recusa como verdadeira a premissa segundo a qual “um efeito tem necessariamente uma causa que não se confunde com aquele”, não há diálogo possível, porque estamos em presença de negação da razão e, por consequência, de negação do Ser. No domínio da irracionalidade não é possível qualquer conversa. A conclusão do ateu é paradoxal, porque é anti-científica “em nome da ciência”.

“Além disso, é falso que não se possa provar a inexistência de algo. A maioria dos leitores provavelmente considerará cientificamente provado que não existem unicórnios, fadas ou klingons. Isto porque a prova científica não é uma dedução com premissas arbitrárias nem um caso de tribunal. A prova científica é a melhor explicação, aquela que resolve o enigma que os dados nos apresentam encaixando no resto do nosso conhecimento e exigindo menos premissas que não tenham confirmação independente. Não pode ser uma mera dedução porque não partimos de axiomas, e a própria interpretação dos dados é questionável. Nem tem o carácter definitivo do trânsito em julgado. É sempre trabalho em curso, sempre potencialmente provisória e sujeita a correções. E tem de ser sempre avaliada por comparação com as alternativas.”

Por um lado, o ateu diz que “é falso que não se possa provar a inexistência de algo”, mas, por outro lado, diz que “não existe certeza em ciência”. Ou seja, o ateu serve-se da razoabilidade da segunda asserção para tentar validar como sendo racional, a irracionalidade da primeira asserção. Depois, o ateu diz que “a ciência não parte de axiomas”, ou seja, diz que “o método científico se justifica a si próprio”, o que é tautológico, irracional e dogmático. Em suma, a posição do ateu é dogmática “em nome da ciência”. Mas duvido seriamente que o ateu vá compreender o que escrevo aqui, porque não me parece que ele esteja preparado para compreender.

Como o leitor pode ver, Olavo de Carvalho tem razão: para denunciar uma só mentira pode ser necessário até escrever um livro inteiro.

 

Fonte: http://espectivas.wordpress.com/2012/12/03/para-denunciar-uma-mentira-precisamos-de-muitas-palavras/